Atos em que estátuas de controversas figuras da história são queimadas estão sendo aplaudidos por alguns e criticados por outros
Por Rafael Bahia e Rodrigo Lucas
Em meio ao fervor por protestos antirracistas do ano passado,
monumentos em homenagem ao Rei Leopoldo II, da Bélgica, foram depredados por manifestantes.
As ações foram registradas em solo inglês e belga. Durante o século 19, o
monarca fez do Congo sua colônia e propriedade particular, tendo congoleses
como objetos e provocando um verdadeiro genocídio: a impressionante marca de 15
milhões de mortos no Congo Belga.
Estátua do Rei Leopoldo II na Bélgica vandalizada um dia após os atos do Black Lives Matter – Foto: AFP/Getty Images
Paralelo a
isso, no mês passado, o monumento ao bandeirante Borba Gato foi incendiado
durante um protesto no bairro do Santo Amaro, na Grande São Paulo. Um dos
idealizadores do ato, Paulo Galo, afirmou que a ação foi promovida para
discutir a figura do bandeirante e seus feitos. Mas afinal de contas, qual a
finalidade de atividades desse porte?
Momento em que a estátua do Borba
Gato esteve em chamas – Foto: Reprodução/Twitter
Em semiótica, estuda-se os signos por trás dos símbolos da sociedade, ou seja, o que aquele símbolo representa para aquele povo, aquela cultura em especial. Com isso, diz Lucia Santaella no livro “O que é a Semiótica?”:
(...) é a ciência que tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame de modos de constituição de todo e qualquer fenômeno como ‘fenômeno de produção’ de significação e de sentido.
Ademais,
dentro do conceito semiótico, interpreta-se a história como algo de âmbito
mutável; em outras palavras, a historiografia não se encontra estagnada, ao
mesmo tempo que fazemos parte do processo histórico, nós enquanto sociedade
“escrevemos história”. Dito isso, afirma Santaella:
(...) nessa medida, não apenas a vida é uma espécie de linguagem, mas também todos os sistemas e formas de linguagem tendem a se comportar como sistemas vivos, ou seja, eles reproduzem, se readaptam, se transformam e se regeneram como as coisas vivas.
Para esclarecer os conceitos
apresentados, vamos aos exemplos. O bandeirante Borba Gato explorou o interior
do Brasil Colônia à custa da escravização, estupro e até mesmo do extermínio de
inúmeros povos indígenas. Ao eternizar a figura de Borba Gato, por meio de um
monumento, eternizamos também os feitos dele, bem como o que ele representa
para a sociedade.
A figura dos bandeirantes, que por décadas, foi
usada como forma de dar aos “brasileiros” um herói nacional pela historiografia
oficial, dar um ar universal de orgulho de ser brasileiro encontra-se
atualmente questionada. Ou seja, quando o monumento de um exterminador de povos
indígenas é incendiado, isto quer dizer que há um consenso que homenagear
escravagistas e seus valores é intolerável.
Exemplo de confronto entre
bandeirante e índio no século XVI – Ilustração: Super Interessante
Vale ressaltar que a metáfora por trás do fogo
que ardia no concreto da estátua é rever a história de todo um povo, e não
apagar a mesma. Ou seja, o “símbolo” que para a sociedade por décadas
significou a figura de um ser intrépido e heroico, encontra-se, agora, na
figura de um ser repugnante.
Parabéns pelo texto, muito bem escrito e bastante explicativo.
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