POESIA CONTEMPORÂNEA: O GÊNERO QUE NÃO ENVELHECE

Por: Alannys Gonçalves-  7º período, sob a supervisão do professor Paulo Madureira


Mario Quintana, um relevante escritor da poesia contemporânea/Foto: Dulce Helfer

Anteriormente ao surgimento da modalidade, já existiam alguns movimentos vanguardistas rompendo com a escrita tradicional da época, fator que influenciou seus sucessores, os poetas contemporâneos. Historicamente falando, a poesia contemporânea se originou bem recentemente, tendo início a partir dos anos 1950, após a Segunda Guerra Mundial.

 

Após este marco, surge uma nova geração de poetas com estilos distintos dos parâmetros tradicionais. Acompanhando o contexto histórico da época, os escritos eram construídos num tom reflexivo e existencial, explorando sentimentos densos.

 

Em 1946, com o término da ditadura militar no Brasil, os escritores começaram a valorizar mais a estética e novas possibilidades temáticas, em vez das preocupações políticas e ideológicas que tinham mais força anteriormente. A forma literária predominou na poesia, através de poetas como Mario Quintana e João Cabral de Melo Neto.

 

Nas décadas de 50 e 60, a literatura contemporânea foi influenciada pelo movimento concretista.  Nos anos 1970, houve um importante impacto na literatura, em decorrência da ditadura militar e do movimento Tropicália. Neste período, a poesia de resistência foi uma expressão relevante. Nela, os tropicalistas buscavam combater a opressão com versos carregados de  ironia, humor, fragmentação da realidade e ruptura com as tradições linguísticas.

 

Dentre outros nomes que colaboraram para este estilo temos Josep Maria Castellet, um escritor e crítico literário espanhol que fundou e presidiu a Associação de Escritores de Língua Catalã e codificou a nova modalidade da poesia, e Rubén Darío, um modernista nicaraguense que introduziu várias mudanças no modelo tradicional, atuando como uma fronteira para a poesia contemporânea.

 

No decorrer dos anos, a poesia contemporânea foi evoluindo, por conta do surgimento dos novos autores e das mudanças no cenário mundial. Os poetas atuantes neste estilo passaram a renovar a abordagem dos versos, explorando narrativas com propósitos sociais, inquietudes e valores dos humanos.

Com a chegada do século XXI, o estilo da poesia se transforma. A próxima geração de autores passa a apresentar uma estrutura inovadora, que se desprende dos parâmetros tradicionais da linguagem.

 

Poesia contemporânea: conceito, estrutura e estilo


Poema de Maya Angelou, uma marcante voz na produção da poesia contemporânea/ foto:Alannys Gonçalves

Quando falamos de poesia, tratamos de um tema múltiplo e subjetivo, pois a mesma se resume a uma expressão vinda do interior humano, que tem potencial de tocar e sensibilizar o receptor. Tal característica atribui à poesia diversas possibilidades, podendo ser manifestada até mesmo através das artes mais palpáveis, como pinturas e esculturas, desde que as emoções sejam despertadas.

Octavio Paz descreve de maneira bem efetiva a onipresença da poesia: "Por outro lado, há poesia sem poemas; paisagens, pessoas e fatos podem ser poéticos: são poesia sem ser poemas. Pois bem, quando a poesia acontece como uma condensação do acaso ou é uma cristalização de poderes e circunstâncias alheios à vontade criadora do poeta estamos diante do poético. Quando – passivo e ativo, acordado ou sonâmbulo – o poeta é o fio condutor e transformador da corrente poética, estamos na presença de algo radicalmente distinto: uma obra."

O escritor mexicano sintetiza claramente a multiplicidade da poesia em 1956, quando ainda nem existiam os formatos do gênero que conhecemos atualmente.

Discutindo a construção da poesia contemporânea, é possível observar a presença de um tom bastante eclético, com narrativas construídas com liberdade para abordar qualquer tópico que o escritor desejar. Esta abertura se dá justamente por conta da estrutura deste modelo, que está relacionada diretamente à liberdade absoluta que é imposta ao artista nesta expressão artística.

Por meio do aspecto citado, os poetas da pós-modernidade ganham espaço para dar voz às próprias questões internas e pessoais, buscando diálogos interpessoais com o leitor ou gerando a própria identificação do público para com os escritos.

A estrutura desta expressão artística também pode ser caracterizada pelo uso de múltiplos de recursos literários, que dão suporte estético às narrativas que serão apresentadas, e pela valorização intensa da forma. Dentre os elementos que promovem este apoio, estão a métrica e a rima, atributos que contribuem para a construção da musicalidade em meio a literatura.

Na atualidade, o estilo teve os parâmetros tradicionais totalmente desconstruídos. Diferentemente dos poetas da antiguidade, e até mesmo dos pioneiros da poesia contemporânea, grande parte dos novos poetas quebra as regras e as tradições estilísticas, tratando com menos rigor aspectos como pontuação, rima, ritmo, sintaxe e etc. Entretanto, este fator acaba sendo o diferencial no processo de criação e decisivo na atribuição de personalidade à obra.

 

 Entrevista com Carla Brito


A autora Carla Brito posando com a obra de estréia dela, o livro "Taunina"/reprodução: Instagram

Aprofundando a poesia contemporânea, confira a entrevista com Carla Brito, uma jovem poeta baiana, autora de Taunina: entre escrevivências e poesias. No livro, lançado em março de 2021, a poeta compartilha vivências como mulher negra, frustrações amorosas, medos, aprendizados, desejos e dilemas surgidos na pandemia da covid-19.

Como você se descobriu poeta? Fale sobre sua trajetória como escritora.

Antes de eu encontrar poesia ela me encontrou. Durante um tempo, principalmente quando mais jovem nas aulas de português, eu não conseguia me identificar com vários poemas clássicos, porque muitos desses versos foram escritos por homens brancos europeus, e eu, como jovem preta nordestina, acabava não me identificando. Hoje eu respeito, reconheço e gosto de muitos desses clássicos, só que o meu caminho é outro. Que bom que a poesia me encontrou antes disso e eu pude encontrar outros caminhos dentro dela. A poesia sempre fez parte de mim. Antes mesmo de escrever, eu já me sentia com um olhar poético para as coisas. Às vezes um pôr do sol me tocava de tal maneira, que eu falava dele de um jeito diferente do que as pessoas diziam. Antes de criar minha página, eu já postava no meu perfil pessoal algumas legendas poéticas, porque vinha de dentro. Não consigo explicar exatamente como aquilo surgia, só surgia.

É perceptível que seus escritos abordam temas sociais relevantes, como o machismo e as vivências das mulheres negras. Como você torna a abordagem dos temas tão sensível e natural?

Vou responder a partir da construção do meu livro. Quando eu pensei e organizei Taunina, foi para trazer escritos de resistência e denúncia, mas também abordar outras dimensões do meu ser, não só o social, que também me compõe. Porque, muitas vezes, as pessoas tendem a achar que por ser uma mulher negra você só vai falar sobre feminismo negro ou algo do tipo (que é extremamente necessário), mas eu sou mais que isso. Construí o meu livro com o objetivo de intercalar e misturar textos que respinguem quem eu sou. Tem textos mais engraçados, sobre aventuras amorosas, espiritualidade, ancestralidade, também trago poemas de denúncia, revolta e até um pouco de ódio em relação ao contexto do país. Quando você pergunta sobre fazê-lo de forma natural, eu não sei responder. Porque esses textos não foram escritos intencionalmente, são frutos de experiências que culminaram em emoções e sentimentos, eu só transbordei num papel. Talvez o natural e a sensibilidade sejam aspectos da vivência em si.

 

Foto onde a autora mostra mais detalhes do interior do livro de poesia “Taunina: entre escrevivências e poesias”/reprodução: instagram



A poesia contemporânea evoluiu bastante até se tornar o que é hoje. Como você enxerga o papel da poesia na atualidade?

De sobrevivência, resistência e fôlego. Pelo menos as poesias que eu faço e as que eu mais gosto são para isso: encontrar saídas para sobreviver e resistir aos dias atuais (que não estão sendo fáceis). Eu acredito que a poesia contemporânea tem dado voz a muitas pessoas necessárias, que falam com gente tipo eu e você, e tem possibilitado a diversidade que a poesia tem ganhado. Texturas, corpos, gostos, aromas, enfim, acho que é fundamental essa poesia contemporânea estar existindo, resistindo e reexistindo.

Você acredita que a poesia contemporânea dá voz às reflexões e questões internas de quem a escreve?

Sim, com certeza. Eu acho que no geral a poesia dá essa abertura pra gente se debruçar sobre os nossos sentimentos e expressá-los. Creio que é um dos principais objetivos, senão o principal. Acredito que a poesia contemporânea traz a possibilidade de demonstrar em diferentes formas, sentimentos e emoções. Dá corpo e cor a quem escreve e a quem está lendo. Acho que esse é o principal diferencial da poesia contemporânea. A pessoa que escreve tem uma cor, um corpo, uma identidade de gênero e uma territorialidade. Ela tem coisas que não são universais. A poesia contemporânea é isso, porque acaba com a visão de sujeito universal que perdurou por muito tempo e às vezes perdura. E esse sujeito universal, quem é? É produzido e reproduzido pela visão eurocêntrica. Eu acredito que a poesia contemporânea vai de encontro nesse sentido. Ela dá corpo e voz.

 

Você se encontra em processo de produção de uma nova obra? Se sim, como está sendo esta experiência e o que podemos esperar do projeto?

Recentemente, eu fui aprovada numa chamada da editora Libertinagem com um livro de poesia de fôlego único ou longo. O livro é com uma única poesia, que narra a história de uma mulher nordestina. A narrativa vai passando pela vida dela, e há alguns momentos de respiro e pausas narrativas com outros poemas. Ontem escrevi outro livro, ele vai ser lançado em e-book semana que vem na Amazon e se chamará "Sinto". O livro nasceu se opondo ao meu discurso de escritora profissional, porque surgiu de vários atravessamentos e trocas com pessoas próximas. São 29 poemas, que falam sobre relacionamentos amorosos, despedidas, a sensação de estar amando e se sentir amado. Inevitavelmente é um livro de amor, só não esperem pelo felizes para sempre, pois ele não vai estar presente na obra.

 

 

 

 

 

 


Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem