Anteriormente
ao surgimento da modalidade, já existiam alguns movimentos vanguardistas
rompendo com a escrita tradicional da época, fator que influenciou seus
sucessores, os poetas contemporâneos. Historicamente falando, a poesia
contemporânea se originou bem recentemente, tendo início a partir dos anos
1950, após a Segunda Guerra Mundial.
Após
este marco, surge uma nova geração de poetas com estilos distintos dos
parâmetros tradicionais. Acompanhando o contexto histórico da época, os
escritos eram construídos num tom reflexivo e existencial, explorando
sentimentos densos.
Em
1946, com o término da ditadura militar no Brasil, os escritores começaram a
valorizar mais a estética e novas possibilidades temáticas, em vez das
preocupações políticas e ideológicas que tinham mais força anteriormente. A
forma literária predominou na poesia, através de poetas como Mario Quintana e
João Cabral de Melo Neto.
Nas
décadas de 50 e 60, a literatura contemporânea foi influenciada pelo movimento
concretista. Nos anos 1970, houve um importante impacto na
literatura, em decorrência da ditadura militar e do movimento Tropicália. Neste
período, a poesia de resistência foi uma expressão relevante. Nela, os
tropicalistas buscavam combater a opressão com versos carregados
de ironia, humor, fragmentação da realidade e ruptura com as tradições
linguísticas.
Dentre
outros nomes que colaboraram para este estilo temos Josep Maria Castellet, um
escritor e crítico literário espanhol que fundou e presidiu a Associação de
Escritores de Língua Catalã e codificou a nova modalidade da poesia, e Rubén
Darío, um modernista nicaraguense que introduziu várias mudanças no modelo
tradicional, atuando como uma fronteira para a poesia contemporânea.
No
decorrer dos anos, a poesia contemporânea foi evoluindo, por conta do
surgimento dos novos autores e das mudanças no cenário mundial. Os poetas
atuantes neste estilo passaram a renovar a abordagem dos versos, explorando
narrativas com propósitos sociais, inquietudes e valores dos humanos.
Com
a chegada do século XXI, o estilo da poesia se transforma. A próxima geração de
autores passa a apresentar uma estrutura inovadora, que se desprende dos
parâmetros tradicionais da linguagem.
Poesia contemporânea: conceito, estrutura e estilo
Poema
de Maya Angelou, uma marcante voz na produção da poesia contemporânea/ foto:Alannys Gonçalves |
Quando
falamos de poesia, tratamos de um tema múltiplo e subjetivo, pois a mesma se
resume a uma expressão vinda do interior humano, que tem potencial de tocar e
sensibilizar o receptor. Tal característica atribui à poesia diversas
possibilidades, podendo ser manifestada até mesmo através das artes mais
palpáveis, como pinturas e esculturas, desde que as emoções sejam despertadas.
Octavio
Paz descreve de maneira bem efetiva a onipresença da poesia: "Por outro
lado, há poesia sem poemas; paisagens, pessoas e fatos podem ser poéticos: são
poesia sem ser poemas. Pois bem, quando a poesia acontece como uma condensação
do acaso ou é uma cristalização de poderes e circunstâncias alheios à vontade
criadora do poeta estamos diante do poético. Quando – passivo e ativo, acordado
ou sonâmbulo – o poeta é o fio condutor e transformador da corrente poética,
estamos na presença de algo radicalmente distinto: uma obra."
O
escritor mexicano sintetiza claramente a multiplicidade da poesia em 1956,
quando ainda nem existiam os formatos do gênero que conhecemos atualmente.
Discutindo
a construção da poesia contemporânea, é possível observar a presença de um tom
bastante eclético, com narrativas construídas com liberdade para abordar
qualquer tópico que o escritor desejar. Esta abertura se dá justamente por
conta da estrutura deste modelo, que está relacionada diretamente à liberdade
absoluta que é imposta ao artista nesta expressão artística.
Por
meio do aspecto citado, os poetas da pós-modernidade ganham espaço para dar voz
às próprias questões internas e pessoais, buscando diálogos interpessoais com o
leitor ou gerando a própria identificação do público para com os escritos.
A
estrutura desta expressão artística também pode ser caracterizada pelo uso de
múltiplos de recursos literários, que dão suporte estético às narrativas que
serão apresentadas, e pela valorização intensa da forma. Dentre os elementos
que promovem este apoio, estão a métrica e a rima, atributos que contribuem
para a construção da musicalidade em meio a literatura.
Na
atualidade, o estilo teve os parâmetros tradicionais totalmente desconstruídos.
Diferentemente dos poetas da antiguidade, e até mesmo dos pioneiros da poesia
contemporânea, grande parte dos novos poetas quebra as regras e as tradições
estilísticas, tratando com menos rigor aspectos como pontuação, rima, ritmo,
sintaxe e etc. Entretanto, este fator acaba sendo o diferencial no processo de
criação e decisivo na atribuição de personalidade à obra.
Entrevista com Carla Brito
A autora Carla Brito posando com a obra de estréia dela, o livro "Taunina"/reprodução: Instagram |
Aprofundando
a poesia contemporânea, confira a entrevista com Carla Brito, uma jovem poeta
baiana, autora de Taunina: entre escrevivências e poesias. No
livro, lançado em março de 2021, a poeta compartilha vivências como mulher
negra, frustrações amorosas, medos, aprendizados, desejos e dilemas surgidos na
pandemia da covid-19.
Como você se descobriu poeta? Fale sobre sua trajetória como escritora.
Antes de eu encontrar poesia ela me encontrou. Durante um tempo, principalmente quando mais jovem nas aulas de português, eu não conseguia me identificar com vários poemas clássicos, porque muitos desses versos foram escritos por homens brancos europeus, e eu, como jovem preta nordestina, acabava não me identificando. Hoje eu respeito, reconheço e gosto de muitos desses clássicos, só que o meu caminho é outro. Que bom que a poesia me encontrou antes disso e eu pude encontrar outros caminhos dentro dela. A poesia sempre fez parte de mim. Antes mesmo de escrever, eu já me sentia com um olhar poético para as coisas. Às vezes um pôr do sol me tocava de tal maneira, que eu falava dele de um jeito diferente do que as pessoas diziam. Antes de criar minha página, eu já postava no meu perfil pessoal algumas legendas poéticas, porque vinha de dentro. Não consigo explicar exatamente como aquilo surgia, só surgia.
É perceptível que seus escritos abordam temas
sociais relevantes, como o machismo e as vivências das mulheres negras. Como
você torna a abordagem dos temas tão sensível e natural?
Vou
responder a partir da construção do meu livro. Quando eu pensei e organizei
Taunina, foi para trazer escritos de resistência e denúncia, mas também abordar
outras dimensões do meu ser, não só o social, que também me compõe. Porque,
muitas vezes, as pessoas tendem a achar que por ser uma mulher negra você só
vai falar sobre feminismo negro ou algo do tipo (que é extremamente
necessário), mas eu sou mais que isso. Construí o meu livro com o objetivo de
intercalar e misturar textos que respinguem quem eu sou. Tem textos mais
engraçados, sobre aventuras amorosas, espiritualidade, ancestralidade, também
trago poemas de denúncia, revolta e até um pouco de ódio em relação ao contexto
do país. Quando você pergunta sobre fazê-lo de forma natural, eu não sei
responder. Porque esses textos não foram escritos intencionalmente, são frutos
de experiências que culminaram em emoções e sentimentos, eu só transbordei num
papel. Talvez o natural e a sensibilidade sejam aspectos da vivência em si.
Foto
onde a autora mostra mais detalhes do interior do livro de poesia “Taunina:
entre escrevivências e poesias”/reprodução: instagram |
A poesia contemporânea evoluiu bastante até se
tornar o que é hoje. Como você enxerga o papel da poesia na atualidade?
De
sobrevivência, resistência e fôlego. Pelo menos as poesias que eu faço e as que
eu mais gosto são para isso: encontrar saídas para sobreviver e resistir aos
dias atuais (que não estão sendo fáceis). Eu acredito que a poesia
contemporânea tem dado voz a muitas pessoas necessárias, que falam com gente
tipo eu e você, e tem possibilitado a diversidade que a poesia tem ganhado.
Texturas, corpos, gostos, aromas, enfim, acho que é fundamental essa poesia
contemporânea estar existindo, resistindo e reexistindo.
Você acredita que a poesia contemporânea dá voz às
reflexões e questões internas de quem a escreve?
Sim,
com certeza. Eu acho que no geral a poesia dá essa abertura pra gente se
debruçar sobre os nossos sentimentos e expressá-los. Creio que é um dos
principais objetivos, senão o principal. Acredito que a poesia contemporânea
traz a possibilidade de demonstrar em diferentes formas, sentimentos e emoções.
Dá corpo e cor a quem escreve e a quem está lendo. Acho que esse é o principal
diferencial da poesia contemporânea. A pessoa que escreve tem uma cor, um
corpo, uma identidade de gênero e uma territorialidade. Ela tem coisas que não
são universais. A poesia contemporânea é isso, porque acaba com a visão de
sujeito universal que perdurou por muito tempo e às vezes perdura. E esse
sujeito universal, quem é? É produzido e reproduzido pela visão eurocêntrica.
Eu acredito que a poesia contemporânea vai de encontro nesse sentido. Ela dá
corpo e voz.
Você se encontra em processo de produção de uma
nova obra? Se sim, como está sendo esta experiência e o que podemos esperar do
projeto?
Recentemente,
eu fui aprovada numa chamada da editora Libertinagem com um livro de poesia de
fôlego único ou longo. O livro é com uma única poesia, que narra a história de
uma mulher nordestina. A narrativa vai passando pela vida dela, e há alguns
momentos de respiro e pausas narrativas com outros poemas. Ontem escrevi outro
livro, ele vai ser lançado em e-book semana que vem na Amazon e se chamará
"Sinto". O livro nasceu se opondo ao meu discurso de escritora
profissional, porque surgiu de vários atravessamentos e trocas com pessoas
próximas. São 29 poemas, que falam sobre relacionamentos amorosos, despedidas,
a sensação de estar amando e se sentir amado. Inevitavelmente é um livro de
amor, só não esperem pelo felizes para sempre, pois ele não vai estar presente
na obra.