Por Rafael Bahia
Segundo o censo do IBGE, o Brasil de 1960 tinha uma parcela considerável de analfabetos (entende-se por analfabeto, aquele que não consegue interpretar o que lê), mais especificamente 15,9 milhões de jovens e adultos (39,6% da população nessa faixa etária). Para além disso, a região Nordeste possuía a maior parte desses números de pessoas não-alfabetizadas.
Com isso, no ano de 1963, sob o calor da cidade de Angicos, na zona rural do estado do Rio Grande do Norte, o professor Paulo Freire para além da teoria, pôs seus métodos pedagógicos em prática. Em sala de aula, propôs alfabetizar um número máximo de trabalhadores rurais que pouca escolaridade possuía. Em suma, o pedagogo conversou com os trabalhadores sobre inúmeras palavras familiares e comuns para aqueles lavradores e camponeses. A partir dessa análise cultural, criou-se em coletivo um repertório de 400 palavras, que levou à alfabetização de 380 adultos.
Para Paulo Freire, a educação há de ser meio de libertação e emancipação para a humanidade. A liberdade significaria substituir a ordem dos que oprimem por outros meios, elaborado pelos que foram oprimidos, entretanto agora se encontram autônomos. A prova cabal disso, é que no mesmo ano do projeto de alfabetização em massa, houve uma greve dos mesmos trabalhadores reivindicando melhores condições de trabalho, em um contexto de Brasil que a expectativa de vida era de 45 anos; e uma taxa de mortalidade infantil alta, sendo 117 crianças por mil habitantes.
Entretanto, para o educador consolidar de modo mais amplo seus métodos, precisou antes se basear em outros emblemáticos pensadores. Por exemplo, no seu renomado livro “Pedagogia do oprimido”, o pedagogo busca desmembrar a relação entre o oprimido e o opressor; para isso se baseou nas ideias de um outro pedagogo, responsável pela luta anticolonial na Guiné-Bissau: Amilcar Cabral. Para Amílcar Cabral, o povo africano em suma só se veria livre dos colonizadores quando de fato entendesse o antagonismo dos colonos e colonizadores.
Assim como Paulo Freire, Cabral defendia a ideia que a educação não tem de ser neutra, e sim um ato político. E Paulo, concordava com o fim do modelo de educação colonial, para dar início a uma educação emancipadora:
“(...) a educação colonial herdada tinha como um dos seus principais objetivos a desafricanização dos nacionais. Foi discriminatório, medíocre e baseado no verbalismo. Não poderia contribuir em nada para a reconstrução nacional porque não foi constituída para este fim”.
Ademais, em Cartas à Guiné Bissau, Paulo Freire rasga inúmeros elogios pela figura de Amílcar Cabral ao dizer que foi um educador que aprendeu a “educar andando ao lado do seu povo”. No livro, Paulo Freire defende abertamente uma nova reestruturação da educação, a fim de “descolonizar as sociedades”, baseado na fala anterior do revolucionário guineense:
“(...) E isto implica a transformação radical do sistema educacional herdado do colonizador [...] daí que a transformação radical do sistema educacional herdado do colonizador exige um esforço interestrutural, quer dizer, um trabalho de transformação ao nível de infraestrutura e uma ação simultânea ao nível de ideologia.”